Round 6 – A questão não está no dinheiro, mas na paixão

O texto abaixo é voltado para quem assistiu a série Round 6 e contém spoilers.

No último episódio do seriado, o velho Oh Il-nam pergunta ao protagonista Seong Gi-hun o que alguém sem dinheiro tem em comum com alguém com muito dinheiro. E ele mesmo responde que viver não é divertido para ambos. Se você tem muito dinheiro, não importa o que compre ou consuma, tudo acaba ficando sem graça. A vida fica sem alegria.

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Com isso ele justifica que toda a ideia do jogo foi apenas para distrair a ele e seus clientes igualmente ricos.
É o velho papo de que dinheiro não traz felicidade. No caso até suga a felicidade da vida da pessoa.

Mas eu discordo dessa noção. Para mim, essa ideia de que dinheiro não traz felicidade, além de preguiçosa e bem manjada, foi construída para deixar as pessoas destituídas mais complacentes por não terem dinheiro.
Sim, existem muitas pessoas ricas infelizes, mas isso se dá por outros aspectos, como problemas psicológicos e também falta de paixão na vida.

A ideia de que as pessoas enriquecem porque têm apenas o objetivo de acumular grana é onde se baseia essa ideia de que dinheiro não traz felicidade, de que asssim que alguém enriquece além de todas as suas espectativas, olha ao redor e não vê mais o que fazer e começa a gastar com coisas inúteis, fica deprimida, etc. Ou nunca olha ao redor e segue escrava do dinheiro trabalhando até a morte para acumular mais em mais dinheiro negligenciando todo o resto, como família e amigos.

Mas eu diria que boa parte das pessoas que enriquecem o fazem porque têm uma paixão na vida, algo que os faz buscar ser muito bons em algo a ponto de montarem negócios prósperos. Claro que existem vários outros fatores envolvidos para uma pessoa enriquecer muito, mas o principal motor é essa paixão (ou paixões) que pode ser direcionada a qualquer coisa.
Então ao chegar à riqueza a pessoa movida por uma paixão não fica entediada, apenas se empolga por ser agora ainda mais capaz de buscar suas paixões, realizar seus sonhos e ser feliz.
Sim, o dinheiro por si só não traz felicidade, mas manda trazer se a pessoa souber o que é a felicidade que ela busca.

Essa ideia de que acumular grana é o objetivo do jogo e viver pelo dinheiro é o que vai deixar alguém próspero engana muita gente, rica ou pobre.
Claro que essa busca por acumular grana pode ser a paixão de alguns, mas existe mais do que isso na vida e alguém apenas com essa paixão ou sem paixão alguma sofre de um problema grave de educação. Algo que nossas escolas não priorizam de fato na formação dos alunos e que muitas famílias negligenciam. Educar é, para além de apresentar conhecimentos, ensinar as pessoas a pensarem de fato e a encontrarem uma ou mais paixões que vão mover suas vidas.
Coisas que vão possibilitar que elas sejam úteis à sociedade e assim sejam pagas para fazer aquilo, e coisas que apenas façam no seu tempo livre, e que com mais dinheiro poderão fazer mais e/ou melhor.

Com paixões em mente, as pessoas passam a ter a noção real de que o dinheiro não é um fim, mas um meio de se alcançar nossos objetivos.

Muitas vezes podemos julgar as paixões alheias idiotas ou sequer conseguimos enxergar paixão em alguém, mas muitas dessas vezes isso não passa de um preconceito nosso ou mera ignorância.

Paixão é o que faltava a Oh il-nam que acabou recorrendo à nostagia e à tentativa de reviver sua infância sob condições drásticas na ilusão de que isso seria a solução.

O dinheiro nunca foi seu problema. Mas nas suas mãos sem paixão se tornou o meio com o qual ele arrastou centenas de outras pessoas para o seu inferno particular.

O seriado é muito bom e a história do protagonista se desenrola muito bem, tanto que temo o surgimento de uma segunda temporada onde a história pode enveredar por caminhos torpes tentando explicar o que não precisa ser explicado.

Mas esta fala do Oh Il-nam já no final acaba amarrando tudo num clichê equivocado e demonstra que os elaboradores da série não perceberam que paixão é o real tema ao longo de toda a história.
É a paixão por sua filha que leva o Seong Gi-hun a se arriscar pelo dinheiro e sua compaixão é o que o faz sobreviver aos desafios.

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Seus antagonistas ao longo da história se mostram pessoas sem paixão que olham o dinheiro como um fim e não um meio. A começar por Oh Il-nam.
Mas o principal antagonista de Seong é seu amigo de infância Cho Sang-Woo que também se mostrou alguém sem paixão que visava apenas vencer e ganhar o dinheiro a qualquer custo. Mas no final, à beira da morte, Cho se lembrou de sua mãe que tinha paixão por ele.  Ela que fez de tudo para vê-lo progredir na vida.
O outro herói da história é Joon-ho, o policial que tinha uma grande paixão pelo que fazia e mais ainda pelo irmão sumido. Acaba que seu irmão se revela o frio Front Man que vive para o jogo e dá a entender que é tão sem paixão como os demais antagonistas. Tanto que foi capaz de matar Joon sem remorso algum.

Sae-Byeok, a órfã que queria cuidar do irmão tem esse objetivo na vida e Ji-yeong a jovem que matara o padrasto vê isso e percebe que ela mesma não tem esse sentimento por nada e decide se sacrificar por Sae.

Já o pobre Abdul, que queria prover por sua família, é enganado pelo impiedoso Cho.

Então a disputa pelo dinheiro é apenas a superfície deste drama onde a disputa se dá entre pessoas apaixonadas e pessoas sem paixão.

Por isso que o roteiro deveria ter batido nesta tecla na fala do velho Oh Il-nam, numa epífane tardia onde ele percebe o que tornava Seong alguém diferenciado. E ele buscaria lembrar Seong disso para que ele não mantivesse o dinheiro parado na conta sem uso, como ele vinha fazendo há um ano, mas usasse o dinheiro que ganhou em prol das suas paixões e de construir algo bom. Seong ficou traumatizado e dessensibilizado pelo que presenciou no jogo, mas agora ele teria a chance de refletir e recolocar sua vida nos eixos.

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