Anistia

Recentemente o STF se negou a revisar a Lei da Anistia.

Muitos ficaram chocados e escutei mais uma vez a afirmação:

“Rever um período autoritário e punir os responsáveis faz bem pra nossa cultura democrática. Faz bem pra nossa memória nacional, e certamente vai fazer bem pros nossos filhos, que vão ter mais orgulho do nosso regime democrático.”

Recorrente em temas relacionados à ditadura.

Não escrevo esta postagem para defender ninguém, apenas para apontar algumas coisas que tornam tais chiliques retrógrados de pouca utilidade prática para nossos problemas atuais.

Desde o fim da ditadura que tal período tem sido um alvo fácil e o predileto de cada vez mais políticos, como bode expiatório de qualquer mazela atual. Mesmo que já tenham se passado 30 anos e ao menos 20 onde tivemos um sistema com participação popular vigente, ao longo do qual, salvo a liberdade de expressão, pouco mudou.

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Também não são lembradas falhas de governantes anteriores, ditadores ou não.

É claro que muito disso naturalmente se deve à crescente participação de antigos membros da guerrilha contra a ditadura no governo. Eles posam hoje de vencedores, pois de fato deram a volta por cima assumindo as rédeas do país. E sempre que após um conflito um dos lados assume o poder, este sentimento de revanchismo e vingança surge. Nada mais natural.

Por outro lado eu penso que a princípio estas pessoas lutavam contra a ditadura como um ato de sacrifício para libertar o país de um regime opressor que julgavam ilegítimo, portanto, a mera derrocada deste regime e a restauração de uma democracia já seria recompensa suficiente. Ou não?

Para muitos de fato não foi suficiente. Se acham no direito de receber hoje pensões, muitas vezes milionárias, por tudo que sofreram durante sua luta voluntária. Se na época houve algum desapego, hoje não há mais. Acharia compreensível pensões ou indenizações para pessoas, ou familiares de pessoas que de fato comprovassem terem se tornado incapazes e sofrido perdas concretas. Mas o que vemos são prêmios por quaisquer atos anti-ditadura e quanto mais famosa é a pessoa, mais aquele ato é valorizado.

Para mim isso não passa de uma pilhagem tardia.

O problema é que esta pilhagem não acontece sobre os bens daqueles que tinham o poder na época e dos seus grandes apoiadores. Apoiadores estes que seguem sustentando os atuais governos. Seja na política ou na mídia, nunca perderam a majestade.

A pilhagem é feita sobre os fundos do governo, que a todos pertence e é engordado por todos os impostos que pagamos.

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Então, quem premia compulsoriamente estes "heróis" somos nós.

Nos tomam recursos da mesma forma que na ditadura, para beneficiar amigos e aliados sem nos consultar. Sei de membros da guerrilha na época, que de fato foram torturados, perderam parentes e tiveram suas vidas arruinadas mas que nunca tiveram grande destaque. Portanto, hoje não recebem pensão, ou recebem uma mixaria se comparado ao que recebem os que hoje se encontram no comando e nem dependem de uma pensão para viver.

Então, estas pessoas lutavam por um ideal, ou apenas por poder?

Lembrem-se que estamos falando de pessoas que já durante a guerrilha roubavam bancos, onde havia dinheiro de gente comum que nada tinha a ver com o pato, e praticavam atos de terrorismo, que vitimavam pessoas inocentes (as quais certamente não estão incluídas nas listas de pensões milionárias). Logo, pessoas tão inescrupulosas quanto os detentores do poder na época.

Voltando à questão da anistia. Foi esta anistia que permitiu um fim pacífico à já sangrenta ditadura. Nenhum dos lados tinha força de tomar, ou se perpetuar no poder. Caso a luta prosseguisse veríamos conflitos crescentes e sangrentos que se estenderiam sabe-se lá por quanto tempo. Com a anistia, os militares largaram o poder e os políticos da época puderam assumir e guiar o país ao sistema que temos hoje, em que muitos ex-guerrilheiros, foragidos na época, têm participação.

Caso os revolucionários assumissem o governo na base da força, não seria surpreendente que montassem uma ditadura de esquerda. Tão danosa quanto a anterior, haja visto o que os ex-membros destas facções fazem hoje no governo “democrático”, 30 anos depois.

Quanto à afirmação já citada acima, concordo que rever e punir os responsáveis por atrocidades do passado seria justo. Mas o que os atuais governantes querem não é punir todas as atrocidades. Apenas as praticadas pelos militares. Por isso insistem que o que deve ser revisto são os crimes de tortura, que certamente foram praticados em grande maioria pelos militares.

Quanto a isto ser bom para a cultura democrática, nossos filhos e nos tornar mais orgulhosos, discordo totalmente.

Justificam isso se apoiando em leis (posteriores ao regime militar) e tratados que o Brasil assinou. Ora, muitas leis e tratados hoje em vigor são diariamente desrespeitados por este governo. Basta ver os presídios e vários cantos do país onde direitos humanos passam longe sem tanta comoção, não fossem revoltas constantes e violentas.

Na ditadura, ambos os lados cometeram atos criminosos, ambos se beneficiaram da anistia, mas um assumiu o poder e agora quer “fazer justiça” e principalmente desviar a atenção dos problemas atuais, certamente mais preocupantes que problemas superados de um governo extinto.

Reforçaria muito mais a cultura democrática, pegar esta grana de indenizações e investir nas escolas e na agilização de reformas políticas, aumentando a participação popular no governo. Reformando o judiciário, minimizando tantas injustiças e estimulando a população a reivindicar seus diretos por vias legais.

Desta forma sim, nossos filhos seriam beneficiados e poderíamos ter mais orgulho de nossa democracia.

“Ah! Mas devemos fazer ambos.”

Ora, não sejamos inocentes. É óbvio que o ideal seria corrigir tanto os males presentes como remediar o passado, mas quando pouco vemos sendo feito para sanar os problemas atuais e tanta atenção em problemas passados, é certo que existe algo de errado.

A desculpa era gerar alívio, mas o resultado...

Numa analogia, seria como hoje eu ter dificuldades num relacionamento amoroso e ao invés de buscar discutir estes problemas e solucioná-los, ficar o tempo todo relembrando traumas de relacionamentos anteriores e perder tempo tentando discutir com ex-amores, o porquê de terem me dado um pé na bunda, ou qualquer coisa do gênero. Até que meu atual relacionamento fracasse e desta forma eu apenas acrescente mais um trauma para assombrar relacionamentos futuros.

É o que se faz na política nacional. E isso não é mérito dos recentes governos. É algo que se faz desde sempre. Precisamos acabar com este ciclo vicioso.

Qual a melhor forma de se remediar o passado do que certando o presente?

Máquina do tempo não vale.
Máquina do tempo não vale.

É graças a esta onda revisionista, que políticas fascistas como a de cotas por cor de pele são aprovadas hoje, sem consultar o povo, sem um plebiscito sequer.  Uma tentativa de consolo pela escravidão praticada pelo Brasil. Pouco importa se na época o governo vigente era uma monarquia e que hoje em dia ninguém responsável por aquilo é mais vivo. Que paguemos todos os que podem, ou não, ser descendentes de ex-escravocratas e, porque não, escravos.

Branca filha de negra e sem direito a cota racial.
Branca filha de negra. Sem direito a cota racial.

Com tais políticas, o governo somente faz instigar rivalidades infundadas e que nada contribuem para o crescimento da nação enquanto encobre falhas, como no caso, na educação.

Querem cobrar? Então, cobrem de quem de fato dava as ordens e “puxava os cordões”, não dos que seguiam ordens e talvez fossem também caçados caso não as cumprissem. Infelizmente, no caso da ditadura, os altos generais da época já estão mortos e não vejo muito esforço em punir algumas figuras hoje vivas e bem ativas.

Seria bom demais.
Seria bom demais.

Do contrário, anistiemos todos e lembremos da ditadura, escravidão e tantos outros males, apenas como algo que devemos evitar reincidir.

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