Um pequeno conto de pouco mais de uma página que escrevi anos atrás para um concurso sobre contos com temática futebolística. Não ganhou mas ainda assim gostei do resultado.
Divirtam-se!
Mais um jogo?
Não, este é O Jogo. Pensa consigo Heitor, sentado defronte de seu armário no vestiário.
Lá fora está um caos. Já dá pra escutar o barulho da torcida, que já deve lotar o Maracanã, e mesmo aqui no vestiário é mais que um murmurinho.
Eu sei dos vários craques que estarão em campo hoje, mas hoje é meu dia. A decisão está em minhas mãos.
Heitor veste seu uniforme impecável, como um padre se preparando para a missa.
Mas nada impede sua mente de vagar pelo tumulto que o cercou nesses últimos dias precedentes ao jogo de decisão.
Diretores, patrocinadores, e até mesmo investidores ilícitos, todos querendo certificar-se de que ele fará o que eles querem.
Chega! Eu não posso adentrar o gramado, o palco mais cobiçado, num dia tão especial e sonhado por mim desde o início de minha carreira, e estragar tudo fazendo o jogo dos outros.
Ou posso? A tentação é grande.
Heitor observa seus companheiros. O jeito como se olham, e como conversam. Tentam disfarçar o nervosismo e já devem ter tomado suas decisões. Se os conhece bem, foi sem dúvida a mais fácil. A mais lucrativa.
Ele termina de amarrar a chuteira e se levanta.
Está pronto.
Beija de olhos fechados o cordão que fora de seu avô num ritual solitário e imutável que sempre fazia antes dos jogos. Lembrou-se do seu avô e, em seguida, de vários momentos bons aleatórios e assim, em um minuto, abre novamente seus olhos.
Estou calmo.
Já é hora de ir. Ele e seus companheiros sobem as escadas para o gramado na expectativa que sempre antecede uma explosão esperada.
E ela acontece. Uma confusão de gritos, vaias e cantos invade seus ouvidos. O Maracanã está lotado. Ele já está acostumado com isto e não se deixa afetar nem para o bem nem para o mal.
Os fanáticos são sempre realçados pela mídia, mas ele sabe que, no fundo, a maioria aprecia o futebol bem jogado e, mesmo que seu time perca, se o torcedor tiver visto seu time dando o máximo de si, não ficará frustrado.
A verdade é que, para Heitor, pouco importa se os torcedores gostam ou não dele, ele já deixou de se iludir com isso há anos. Afinal de contas, é um profissional. Num dia o herói; no outro o vilão. Ele próprio não se ilude com preferências pessoais quanto aos times de que gosta mais ou menos. Deixou de torcer faz tempo. Só está preocupado em fazer o que sabe, e sabe que no fim ele é um time de um homem só.
Ele é seu único torcedor apaixonado. Mesmo sua família não conseguiria demonstrar tal devoção, mas isso não importa, porque fãs fazem o ego crescer e encobrir a visão clara sem a qual ele não teria chegado aqui.
Ao soar o apito ele está perfeitamente consciente do que deve fazer. Totalmente atento ao jogo.
Este é o seu momento e aqui ninguém pode interferir. Hoje ele está realizando um sonho e quer ter o prazer de se recordar desta partida da próxima vez que beijar seu cordão.
Um sorriso se abre em seus lábios quando começa a correr. Pouco importa o resultado, esta será sua melhor partida!
O jogo é tenso, todos temem ser o protagonista de um erro marcante e poucos se arriscam.
Mas logo a bola começa a rolar sem dificuldade e enfim um belo passe, um drible e um cruzamento açucarado. O gol é inevitável.
Metade do estádio vibra de alegria.
Heitor pareceu adivinhar quando olhou para o auxiliar e o viu erguer a bandeira.
Felizmente ele esteve atento ao prever a jogada e observou o posicionamento de ambos os jogadores.
Desculpe amigo, mas a jogada valeu, pensou Heitor ao apitar e sinalizar assim apontando para o centro de campo onde a bola deveria ser reposta para que a partida fosse continuada.
Pouco importa os acordos alheios, porque hoje ele é o dono do jogo.
Fim.
Eu adoro esse seu conto! Vc sabe disso. Acho até que injustamente não foi premiado no concurso do Globo…
Meu escritor favorito, love you! =D