Army of the Dead – buracos do roteiro

Já falei que não sou muito fã de história de zumbi?
Pois é, não sou.
Mas reconheço que algumas têm suas qualidades, ainda que se detenham cansativamente em sanguinolência sem sentido, que é o que os fãs de zumbis curtem ver.
Então eu já meio que cansei de histórias de zumbis que se levam a sério.
A única história de zumbi que eu de fato sou fã é a da HQ “The Walking Dead”, porque ali o foco não é a sanguinolência, mas o pós apocalipse e as pessoas passando de meros sobreviventes a sementes de uma nova sociedade. Os zumbis se tornam secundários rapidamente aos conflitos entre os vivos.
E veja bem, eu curto a HQ, não a série.

Dito isso, eu tenho curtido os filmes que fazem piada com o tema zumbi.
Zombieland foi excelente e agora Army of the Dead é assumidamente um clichêzão só com personagens bem caricatos e um plot que serve apenas de desculpa para cenas de ação desenfreada com músicas legais. Bem característico do Snyder.
Pelo menos dessa vez ele usou slow motion só quando deveria e mostrou que não é dautônico usando cores vibrantes, algo que também fez o filme destoar dos seus pares mais sóbrios.

Mesmo ciente de que se trata de um farofão sem compromisso, é triste ver como um filme com uma história tão simples consegue ficar com um roteiro tão esburacado quanto os seus zumbis. E são buracos bestas muitas vezes, que poderiam ser contornados.

Então, vamos a uma pequena lista que elaborei:
!!!!SPOILERS A PARTIR DAQUI!!!!!!!!!!!!!!!!

1 – O Plot geral

Você sabia? 'Army of the Dead' é o 2º filme de zumbi mais LONGO da  história; Confira as curiosidades! | CinePOP

A ideia de que Las Vegas ficou anos cercada e repleta de zumbis realmente é muito boba. Las Vegas não é uma cidade minúscula, mas também não é uma cidade grande. Tanto que conseguiram cercá-la e conter os zumbis ali dentro.
Diante de uma ameaça tão grande, deixar a coisa daquele jeito por anos já é um grande risco de alguém entrar ou um zumbi conseguir escapar e o contágio se alastrar. E o próprio filme deixa bem claro que era corriqueira a entrada ilegal de pessoas na cidade. Só isso já torna a coisa desnecessariamente idiota.
Ainda mais dentro de um país que já incinerou boa parte do Vietnã em menos tempo.
Então nestes anos todos o japonês não conseguiu infiltrar vários homens dele para pegar quantos pedaços de zumbis que ele quisesse e até mesmo toda a grana do cofre e da cidade aos poucos? Ora bolas, para uma cidade repleta de cassinos que foi abandonada às pressas e cuja grana pertencia a mafiosos, Las Vegas já teria sido saqueada há tempos por diversos mercenários em busca de grana.
Alguns podem dizer: “Ah, mas justamente eles usariam a explosão da bomba como distração, antes disso o exército perceberia o pessoal saindo e eles seria presos”. E é essa a desculpa do filme.
Mas se há anos os traficantes usam túneis enormes para cruzar a fronteira dos EUA com drogas e grana, é claro que ao longo dos anos alguns túneis seriam cavados até Las Vegas para saqueá-la.
Ladrões fazem isso há milênios. Se nem o temor da ira dos deuses do Egito e diversas armadilhas em túmulos selados com pedras gigantescas debaixo de pirâmides impediu que os tesouros dos faraós fossem roubados há milênios, não seria uma barreira de contêineres e umas cercas que impediriam bandidos modernos.

Qual a solução? Abandonar toda essa ideia e contar a história em meio ao surgimento dos zumbis na cidade. Toda a história que é contada em poucas cenas no início do filme poderia ser metade do filme.
Com a diferença de que o grupo de sobreviventes conseguiria se entrincheirar em um dos cassinos e ali encontrariam o japonês que precisa pegar a grana do cofre antes de fugir no seu helicóptero que está no terraço. Mas ele está sozinho e sabe que não conseguirá fugir com a grana sem alertar os zumbis, para isso ele precisa de ajuda para explodir o cofre e rapidamente correr para o helicóptero antes que os zumbis o cheguem. Detalhe, só ele sabe pilotar o helicóptero e todos ali já viram pelos celulares que o governo vai bombardear a cidade em pouco tempo para conter os zumbis. Como se aventurar pelas ruas é muito arriscado e pode demorar ainda mais, a oferta do japonês se torna uma boa opção.
Daí temos mais 30 ou 40 minutos de ação e suspense.
E sim, ainda podemos ter reviravoltas como o japonês ou outro personagem querendo levar uma cabeça de zumbi para vender no mercado negro, o que seria um excelente gancho para a continuação ao invés do que o Snyder usou só para ter a ceninha do avião.

2 – O campo de concentração ao redor da cidade é muito bobo também e apenas uma desculpa para ter uma entrada fácil na cidade para o grupo. Mas cria um drama paralelo e desnecessário das amigas da filha do protagonista que no final leva a uma igualmente forçada situação de tensão, mas falarei sobre isso mais adiante.
Também é uma tentativa torpe de criticar a situação dos imigrantes detidos na fronteira dos EUA com o México.
Tudo seria muito mais simples com o túnel até a cidade.

Sinaloa cartel is behind two border tunnels, Mexican officials say - Los  Angeles Times

3 – O acidente da primeira cena que desencadeia tudo é quase cômico.

Uma carga tão perigosa e delicada não estaria sendo transportada por uma escolta minguada de apenas dois jipes. Sem falar que os dois militares do carro batedor ficam deliberadamente por minutos sem olhar para a frente, sequer de relance, para notar o carro vindo na contramão. E ao notar o carro, o reflexo do motorista deveria ser justamente jogar seu jipe blindado contra o outro carro e impedir que a colisão se desse contra o caminhão que eles estavam protegendo.


Para um acidente besta derrubar a carga e deflagrar a infestação zumbi, o mesmo deveria ser mais inusitado e imediato do que um mero acidente de carro perfeitamente evitável. Talvez os noivos bêbados tivessem pegado um avião ao invés de um carro e caído sobre o comboio. Besta, sim, mas mais plausível do que filmar várias tomadas do militar sem olhar para a estrada meio que desejando bater de frente com algo.
Outra solução, o casal vinha numa estrada que cruza a rodovia do comboio e de faróis apagados, colidindo diretamente contra a lateral do caminhão e derrubando a caixa com o zumbi. Enfim, claramente os 3 roteiristas do filme não quiseram pensar um segundo sequer sobre isso.

4 – Todo o plot da cabeça de zumbi.

O que assistir nos streamings: Army of the Dead, Power, No Matarás e Raya -  Gizmodo Brasil

Se era só a cabeça de zumbi que importava, por que o capanga do japonês não deu logo cabo da rainha zumbi assim que entraram na cidade resolvendo a questão?
Melhor seria que esse encontro nem tivesse ocorrido logo de cara, que eles tivessem deixado o guardinha de oferenda ali e ido embora sabendo que agora teriam livre passagem por algum tempo.
Ou, sequer usarem essa ideia de oferenda no filme. Apenas explicar através da guia que existem alguns zumbis inteligentes, eles são perigosos, mas são poucos e é possível desviar deles sendo sorrateiros o suficiente. Aí eles só encontrariam um dos zumbis inteligentes mais adiante, até com o capanga provocando um confronto para chamar atenção destes zumbis e ele poder pegar a cabeça de um deles antes de fugirem no helicóptero.
Pra piorar, ainda inventam do capanga voltar até a entrada com a guia, sem motivo algum, (e presumidamente passando por todos os lugares infestados de zumbis por onde eles já haviam passado e de onde mal conseguiram escapar há poucos minutos). Aí, do nada aparece de novo a rainha zumbi, que deve fazer bico de zeladora da cidade, pra dar tchau pra eles achando que estavam indo embora. Mas ela decide atacá-los, apesar da suposta trégua graças à oferenda. O capanga a captura e arranca sua cabeça facilmente. Então ele tinha ali tudo que importava, como ele mesmo disse para a guia naquele momento. Por que cargas d’água ele não virou, matou a guia e se mandou da cidade por onde entrou? Decidiu arriscar a sua vida e a única coisa que ele deveria levar para o seu chefe passando de novo por toda a área infestada até o cassino e esperar a galera abrir o cofre só para traí-los. E ainda por cima, ao invés dele fugir pro helicóptero ele decidiu fugir a pé, de novo passando por áreas bem perigosas, ainda mais agora com os zumbis mega alvoroçados. Vai ser burro assim…

5 – A dilatação temporal

Army Of The Dead Ending Explained- What Happens To Ludwig Dieter,  Vanderohe, And Is There A Post Credits Scene? - Signal Horizon Magazine

Na hora em que os personagens souberam que o bombardeio se daria em apenas 90 minutos, era para todos terem se desesperado, desistido do cofre e corrido para o cassino para juntarem mais alguns milhares de dólares espalhados aos montes e fugido logo dali.
Mas decidiram esperar mesmo sabendo que só teriam 20 minutos para ensacar 200 milhões de dólares, correr para o helicóptero e sair da cidade. Grande chance de serem fulminados pela explosão ou o helicóptero cair com o impacto da explosão, que foi o que aconteceu.
Porém, a coisa piora se repararmos que a partir do momento em que abrem o cofre, ainda temos mais 20 minutos de filme até a bomba explodir. E neste meio tempo o protagonista procura a filha, desvia o helicóptero para outro cassino para procurá-la antes de voltar para o helicóptero e só então fugir sem muita pressa. E estou falando de cenas editadas, onde foram cortados vários momentos onde ele desce e sobe escadas, etc.
Ou seja, era pra eles terem morrido bem antes fulminados pela bomba. Mas essa dobra temporal permitiu que eles durassem mais um pouco para um desfecho mais tocante do que serem meramente pulverizados por não terem o mínimo de noção de tempo.

Essa parte do filme mostra que o plot das amigas da filha foi criado para haver esta tensão no final. Mas foi muito mal feito e forçado, porque até agora eu não sei por que três mulheres, claramente sem experiência alguma de combate, decidiram se arriscar assim. E tão descartáveis eram as personagens que no final o helicóptero cai e nem o corpo delas é mostrado.
Antes tivessem sido forçadas a entrar na cidade por algum guarda corrupto. Assim, o guardinha que só serviu de isca teria alguma relevância a mais no filme. Ao invés de ser um mero assediador ele seria responsável por um esquema onde ele obrigava as pessoas do acampamento a pegarem dinheiro da cidade para ele. Em troca, quem saísse vivo com algo de valor ficava com metade da grana e poderia subornar outros responsáveis para deixar o acampamento ou algo assim.
De repente a guia, que tinha experiência de combate, poderia oferecer seus serviços de escolta aos pobres coitados cobrando ainda mais uma parte da grana recuperada e ela se aproveitava para deixar a galera para trás sempre que desse para ficar com tudo para si.
Poderiam surgir várias ideias daí.
No mínimo deveriam ter dito que o grupo tinha 40 minutos ao invés de 20 até a bomba explodir após terem aberto o cofre.
Aí ficaria mais plausível, pois a princípio eles teriam mais tempo para ensacar a grana e fugir e a cena da fuga bateria em termos de minutagem. Também faria mais sentido a filha do protagonista tentar resgatar as amigas, mesmo sem fazer ideia de onde elas estavam na cidade, mas pelo menos haveria algum tempo para dar uma conferida e não teria sido puro suicídio da parte dela.

Conclusão:
É um filme despretensioso que só busca prover uma distração de duas horas? Sim.
Mas poderia ser muito melhor não fossem esses furos bobos.

Nem vou entrar na questão de algumas cenas de ação onde os personagens, até então tão sagazes em espertos, sofrem uma perda momentânea de inteligência. graças aos roteiristas, para forçar uma morte ou alguma tensão.
Isso, para mim, mata a tensão porque nessa hora eu não penso “nossa, caramba, realmente tá complicado de sair dessa”. Eu penso: “Como? O cara fazia coisas muito mais difíceis há poucos minutos e agora vai deixar o companheiro morrer de bobeira”?

A lição é a de sempre. Não importa o quão densa ou rasa for a sua história, ela precisa ser consistente dentro do que você apresenta daquele universo e dos personagens.
E a grande maioria dos escritores e roteiristas não sabe manter consistência na trama. Claro que muitos se dão bem porque a grande maioria das pessoas não dá a mínima bola para isso, ainda mais em filmes onde o foco é só ação.
Se formos parar para lembrar quais os filmes (de qualquer categoria) que são realmente memoráveis, perceberemos que são justamente aqueles onde a trama é mais consistente.
Porque uma trama consistente torna tudo que está em jogo no filme e em cada cena muito mais palpável, e nos puxa de fato para aquela realidade ficcional.
Porém, quando temos uma trama furada, a cada 5 minutos somos ejetados da ficção e lembramos que aquilo ali é só um filme e que pouco nos importamos com o que tá acontecendo com os personagens, se vivem, se morrem. É tudo mentirinha que esqueceremos em pouco tempo após assistirmos e daqui há poucos anos ninguém mais vai lembrar.


Leave a Comment

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.