“Eu também sou candidato a deputado. Nada mais justo. Primeiro: eu não pretendo fazer coisa alguma pela Pátria, pela família, pela humanidade.
Um deputado que quisesse fazer qualquer coisa dessas, ver-se-ia bambo, pois teria, certamente, os duzentos e tanto espíritos dos seus colegas contra ele.
Contra as suas idéias levantar-se-iam duas centenas de pessoas do mais profundo bom senso.
Assim, para poder fazer alguma coisa útil, não farei coisa alguma, a não ser receber o subsídio.
Eis aí em que vai consistir o máximo da minha ação parlamentar, caso o preclaro eleitorado sufrague o meu nome nas urnas.
Recebendo os três contos mensais, darei mais conforto à mulher e aos filhos, ficando mais generoso nas facadas aos amigos.
Desde que minha mulher e os meus filhos passem melhor de cama, mesa e roupas, a humanidade ganha. Ganha, porque, sendo eles parcelas da humanidade, a sua situação melhorando, essa melhoria reflete sobre o todo de que fazem parte.
Concordarão os nossos leitores e prováveis eleitores, que o meu propósito é lógico e as razões apontadas para justificar a minha candidatura são bastante ponderosas.
De resto, acresce que nada sei da história social, política e intelectual do país; que nada sei da sua geografia; que nada entendo de ciências sociais e próximas, para que o nobre eleitorado veja bem que vou dar um excelente deputado.
Há ainda um poderoso motivo, que, na minha consciência, pesa para dar este cansado passo de vir solicitar dos meus compatriotas atenção para o meu obscuro nome.
Ando mal vestido e tenho uma grande vocação para elegâncias.
O subsídio, meus senhores, viria dar-me elementos para realizar essa minha velha aspiração de emparelhar-me com a “deschanelesca” elegância do Senhor Carlos Peixoto.
Confesso também que, quando passo pela rua do Passeio e outras do Catete, alta noite, a minha modesta vagabundagem é atraída para certas casas cheias de luzes, com carros e automóveis à porta, janelas com cortinas ricas, de onde jorram gargalhadas femininas, mais ou menos falsas.
Um tal espetáculo é por demais tentador, para a minha imaginação; e, eu desejo ser deputado para gozar esse paraíso de Maomé sem passar pela algidez da sepultura.
Razões tão ponderosas e justas, creio, até agora, nenhum candidato apresentou, e espero da clarividência dos homens livres e orientados o sufrágio do meu humilde nome, para ocupar uma cadeira de deputado, por qualquer Estado, província ou emirado, porque, nesse ponto, não faço questão alguma.
Às urnas.”
Este texto foi escrito por Lima Barreto em 1915. Segue sendo até hoje a descrição mais realista do tipo de político não corrupto que encontramos por aqui.
Ficamos felizes se o sujeito não nos rouba. Como ficamos felizes se tantas outras coisas não nos agridem diretamente.
Ao meu ver um governo indolente é tão prejudicial quanto um governo ativamente salafrário.
Para não errar, fomos agraciados com um amálgama de ambos, algo notório faz muito tempo.