Há uns 7 meses tenho uma vida dupla.
Passo meus dias como pai, esposo e escritor feliz, porém trancado em casa num mundo em pandemia e cheio de problemas quanto aos quais não tenho muito o que fazer, mas toda a semana, por algumas horas, eu desperto em Neldordin, um mundo bem diferente do nosso mas também com grandes problemas. Bem maiores eu diria. Lá eu sou um elfo druida que se viu no meio do fogo cruzado e decidiu se unir a um grupo de aventureiros BEM inusitados para ajudar a salvar aquele mundo de um destino macabro.
Mesmo diante de grandes desafios e entre muitos desentendimentos damos risadas e demonstramos camaradagem uns com os outros.
E o mais bacana é que aos poucos também consigo conhecer os alter egos dos meus companheiros, todos pessoas divertidas e interessantes também levando suas vidas duplas entre mundos envoltos em problemas. Todos na tela do meu computador.
É sempre bom poder entrar na pele de outra pessoa e lidar com outros problemas. Podemos fazer isso através da literatura (lendo ou escrevendo), métodos metafísicos ou lissérgicos. Teatro? Mas o interessante do RPG para mim é que o mundo onde eu acordo não foi criado e nem é regido por mim, ainda que eu possa interferir nos seus destinos, e as demais pessoas com quem interajo são terceiros e tudo isso gera todo um ambiente de probabilidades bacanas nas mãos de um mestre habilidoso que saiba conduzir e se deixar conduzir nos devidos momentos.
Vivencias assim nos ajudam a enfrentar nossos problemas originais com novas perspectivas e nos ajuda a manter a mente afiada para novos problemas.
Esta não é a primeira vez que vivo este tipo de duplicidade e não será a última.
Já me transportei por diversos mundos e tempos, em muitos alteregos, com grupos memoráveis dentre os quais cultivei grandes amizades.
O que me atrai inicialmente é o desafio, mas acabo ficando pelas amizades, e a chance de adquirir mais autoconhecimento já que é inevitável nossos alter egos espelharem facetas nossas de que não tínhamos muita noção e muitas vezes me pego usando alguma experiência adquirida em outros mundos para encarar um desafio neste aqui.
É difícil explicar o RPG para quem nunca jogou.
Até porque, para cada pessoa ele pode ter um significado diferente.
Eu diria que para a maioria não passe de uma espécie de video game analógico onde o que importa é rolar dados e matar monstros. E por isso muitos olham com desdém para este passatempo como algo fútil e sem sentido.
Por isso que quando buscamos algo além de uma mesa de cassino rodeada por pessoas fingindo serem personagens fictícios, é necessária uma conjunção astral para encontrarmos um bom grupo de pessoas igualmente sintonizadas onde nos sintamos à vontade para assumirmos alteregos e com as quais possamos partilhar outros mundos.
Se você não entendeu o que eu disse aqui, lamento e eu aconselharia a continuar buscando este sentimento. Mas sei que para alguns já é tarde demais.
Mas sei que muitos entenderam e agora estão se lembrando de grandes desafios vencidos, de grandes derrotas, belas amizades e boas risadas ao redor de uma mesa, em meio a uma cena ou, mais recentemente, em uma conferência online.
Bons XPs!