O Gabinete de Curiosidades

(You can read this in English here)

O Gabinete de Curiosidades de Gulhiermo del Toro é uma série que agrada por vários motivos.
Ela possui boas histórias com roteiros precisos, boa produção, direção e atuações.

– Unidade dos Episódios do Gabinete de Curiosidades –

Nada na série diz que as histórias partilham do mesmo universo.
Ainda assim, as diferentes histórias do Gabinete de Curiosidades mantêm uma semelhança,
mesmo tendo autores e diretores distintos.

O Guilhermo del Toro participa diretamente apenas como autor de uma das histórias.
Além disso, ele é o apresentador que introduz cada episódio com seu Gabinete de Curiosidades.

Assim, existe uma unidade entre os episódios do Gabinete de Curiosidades.
Além do gênero terror de todos os episódios, o horror cósmico está presente na maioria deles.

– Gabinete de Curiosidades e Amazing Stories –

Essa série me remeteu muito à série antológica que marcou a minha infância Amazing Stories.
Amazing Stories foi produzida pelo Spielberg e reúne histórias insólitas.

Possivelmente, o fato de ser uma série bem produzida, assinada por um grande diretor.
Ambas possuem uma bela abertura que nos faz salivar pelo que estamos prestes a ver.

Por isso gosto de séries antológicas. Elas são como livros de contos.
A surpresa que temos a cada novo episódio com uma nova história é bem legal.
Ainda mais quando lidamos com um conjunto tão bom de histórias.

O mesmo não ocorrer em uma série sequencial, salvo raras excessões.
Assistir uma boa antologia é como abrir excelentes presentes, um atrás do outro.

No caso do Gabinete de Curiosidades, vários dos episódios são adaptações de contos.
Nisso a série segue a tradição de outras boas antologias.
Nightmare and Dreamscapes é muito boa também e adaptou vários contos do Stephen King.

Em Gabinete de Curiosidades, a obra do autor H. P. Lovecraft foi a principal inspiração.
Porque dois contos dele foram adaptados.
Dentre os demais episódios, exceto dois, todos foram inspirados pelo seu estilo de terror e mitologia.

Recomendo que assista, caso não tenha assistido.
Do contrário, o resto da resenha vai estragar a experiência.

— SPOILERS de Gabinete de Curiosidades —

O episódio que mais me empolgou, em termos de narrativa lovecraftiana, foi o segundo.


Poster do segundo episódio da série O Gabinete de Curiosidades

– Análise do Segundo Episódio do Gabinete de Curiosidades –

Porque nessa história vemos o que eu acho mais fascinante nas criações do Lovecraft.
É uma história que revela várias camadas de realidade e horror.

As criaturas assombrosas do Lovecraft têm com histórias que se estendem por séculos, milênios ou eras. Então é comum que seus protagonistas comecem enxergando apenas a ponta do iceberg.
Pequenos eventos que poderiam ser ignorados ou deixados de lado sem muita consequência
Porém, o protagonista acaba sendo tentado ou forçado a investigar e isso o leva a descobrir tudo mais.

Em geral, é nesse momento que o protagonista já não é levado a sério pelos seus pares.
Isso cria nele uma certa obsessão ou desejo de fazer os outros perceberem que ele está falando sério.
No caso desse episódio, isso ocorre quando o ladrão percebe que os ratos de fato roubam os cadáveres. Eles até levam os corpos para baixo da terra por túneis misteriosos.

Uma das marcas do terror lovecraftiano é o choque da razão com os mistérios que a ciência não tem como explicar.

– O Racional Versus o Irracional na Obra de Lovecraft –

Lovecraft foi um autor do início do século 20, quando a ciência já vinha dominando o debate público.
Nessa época muitos fenômenos passaram a ser compreendidos sob a luz da ciência.

Porém o mundo ainda possuía vários recantos inexplorados pelos cientistas.
Muitas regiões onde diversos fenômenos sequer haviam sido descritos, que dirá estudados.

Lovecraft pegou esse resquício de mistério no mundo e ali imaginou suas criaturas.
Não raramente vindas do até hoje misterioso espaço sideral.
Tudo se manifestava em rituais “primitivos” ou fenômenos que a ciência não conseguia explicar.

Os protagonistas, geralmente pessoas com uma lógica científica da época, tendem a sofrer um choque. Porque se viam diante de algo que não conseguiam descrever ou compreender sob aquela lógica.

Por vezes esses personagens descobrem alguma explicação mística para tudo aquilo.
Isso é o que os permite seguir com suas vidas e alguma lucidez, ainda que abalados.

Esse seria o caso desse episódio se o ladrão tivesse conseguido fugir dos túneis.
Caso tivesse sobrevivido à grande ratazana, ou não tocasse na múmia da catacumba.

Porém, é comum que os protagonistas decidam explorar até chegar na base do “iceberg”.
Sempre crendo que há uma explicação racional e científica por trás de tudo aquilo.
Isso quando não estão simplesmente obcecados, já insandecidos.
É comum a loucura entre esses personagens que buscam razão onde ela não existe.

– Entidades Além da Imaginação do Horror Cósmico –

Outro aspecto interessante das criações do Lovecraft são as entidades de outros planos.
Seres que habitam o universo muito antes de nós seres humanos.
Por isso, são tão distintas e poderosas, que nunca conseguiríamos compreendê-las.
Nossas mentes não conseguem conceber sequer a visão delas e enlouquecemos.

Então a busca por razão é sempre fútil nas obras do Lovecraft.
Porém, o ladrão do episódio acaba se deparando com isso da pior forma possível.
Cada hora ele desvendava uma camada mais sinistra dos horrores subterrâneos.
Nada trazia explicações para o mistério original, apenas mais questionamentos.

O que ele acreditava serem meros ratos eram guiados por um senso comum nada natural.
Os adoradores do oculto das misteriosas catacumbas, não eram meros loucos.
Lidavam com forças além da nossa compreensão.

Um desses adoradores conseguiu se manter “vivo” após décadas ou séculos.
Tal sua obcessão pelo medalhão que o ladrão roubou dele.

Por fim, o ladrão tem uma morte horrorosa, vítima da sua arrogância e ganância.
Caso sobrevivesse certamente seria uma sombra do que havia sido até então.
Pois seria eternamente assombrado pelo que viveu naqueles túneis.

– Camadas Sob Camadas de Terror –

Não é raro no universo do Lovecraft uma igreja ocultar fanáticos que adoram uma entidade pagã.
E eventualmente descobrimos que o local havia sido usado para adoração pagã séculos atrás.
Finalmente é revelado ali uma criatura ou templo ainda mais antigo de eras imemoriais.
Algo que nem mesmo os líderes fanáticos tinham conhecimento.

Camadas de história, não muito distinto do que vemos acontecer no nosso mundo.
Porque temos cidades modernas construídas sobre as ruínas de antigas civilizações.
Por sua vez essas civilizações surgiram de tribos que habitavam aquelas regiões e assim por diante.

Eu poderia falar muito sobre cada episódio, mas não pretendo escrever resenhas para cada um.
Contudo, deixem nos comentários o que acharam da série e podemos conversar mais sobre ela. Também podem me perguntar quais os dois episódios que eu não considero lovecraftianos.

Leave a Comment

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.