Análise de Watchmen

O filme já estreou faz tempo, eu só fui assistir no fim de semana passado. Agora, após ruminar algumas coisas e reler a HQ, decidi postar minha avaliação sobre toda essa história. Somar ao tititi enquanto o assunto está fresco.

Também é um assunto que dá bastante pano pra manga após duas semanas onde só deu Tupiniquins aqui no blog.

Muito trabalho na nova versão do site de quadrinhos, que deve ser lançado em meados de abril.

O tempo que sobrava era pras ilustrações do Tupiniquins.

 

Devo alertar que esta postagem contém spoilers a rodo, então quem não leu a HQ e/ou assistiu ao filme, leia por própria conta e risco.

 

Vamos ao que interessa. Sou fã da HQ, esta foi a terceira vez que li, e gostei muito do filme. O filme é uma das melhores adaptações cinematográficas que já assisti, seja de um quadrinho ou de uma obra literária.

Sem dúvida a única adaptação digna de menção de qualquer quadrinho do Alan Moore.

Como bem disse um amigo meu, “O filme é tão fiel quanto poderia ter sido.” Dadas as condições é claro.

Talvez um detalhe ou outro eu mudasse, ou você fizesse diferente, mas detalhes são detalhes. A trama está lá, diálogos, trejeitos, e todas as críticas que Moore teceu em sua HQ, em relação a super-heróis, guerra fria, etc. O cerne foi conservado o restante poderia ter entrado se houvesse tempo e boa parte entrou, mas só no DVD.

A grande curiosidade de muitos seria como adaptar a quantidade de informações que era passada sobre a trama, nos textos anexos aos capítulos. Boa parte destas informações, é colocada no filme, por meio de algum diálogo extra, ou mostrado em seqüências de imagens. Pequenas coisas que eu sequer me recordava.

Nunca entendi a fama de inadaptável da HQ, mas concordo que sem recursos técnicos de hoje o filme ficaria meia boca.

Mais para bloqueio mental.
Mais para bloqueio mental.

Vou satisfazer primeiro os fãs babões e apontar algumas distinções entre o filme e a HQ. Um deles inclusive, não deve ter sido o único, disparou e-mails alarmistas, suplicando aos demais para que não assistissem ao filme, pois era algo aterradoramente horroroso, como se aplacado pela própria criatura extra-dimensional da HQ.

Sabendo que todo o babão é na verdade um babacão, e estando eu pra lá de vacinado no que diz respeito a péssimas e hediondas adaptações,

O horror, o horror...
O horror, o horror...

ignorei os alarmes e comprovei mais uma vez esta afirmação. Penso cá com meus botões que alguém que corre para assistir a um filme na estréia e em seguida tenta convencer seus coleguinhas a não assistir ao mesmo filme, chegou a um nível de babaquice que extrapola o simples prazer de ter assistido antes dos outros. A pessoa recorre a tentativas pífias como esta de ser o ÚNICO a ter assistido. Garanto que este ser mal podia esperar o dia em que o filme saísse de cartaz para anunciar seu chiste aos demais.

É o tipo de gente que peida debaixo do lençol só pra curtir o odor a sós.

E nunca tão generoso.
E nunca tão generoso.

1 – Pra começar, temos o novo final que é uma solução tão boa quanto o original e possibilita encurtar a trama para ser algo compreensível num filme de duas horas e meia.

É claro que a lula gigante, numa morte sangrenta e horrorosa, espalhando pânico mortal para milhões e deixando vestígios de terror por anos nas mentes dos homens, é mais poético e reforça a idéia do plano de Ozimandias que era o de aplicar um susto grande o suficiente na humanidade afim de que, com perdas mínimas, nossos líderes pudessem ter noção do horror que estavam prestes a cometer. Além disso temer que acima de tudo um terceiro inimigo, que estaria bem vivo nas memórias de todos para sempre. Mesmo que este inimigo jamais aparecesse. A partir dai, a solução seria conduzir a humanidade a uma existência de amizade mútua e abandono de relações agressivas. Como abandonar os arsenais nuclerares cientes de que monstruosas criaturas extradimensionais poderiam a qualquer momento vir tomar a Terra é outra história.

No filme o Dr. Manhattan assumiu o papel de grande vilão da humanidade. Na ausência de uma lula extra dimensional, um ser quase divino e possivelmente irado com a condição humana, atacando várias partes do mundo sem distinção de alianças, é igualmente convincente. Ele inclusive poderia retornar à Terra e representar o papel de Deus furioso e punitivo, para manter a paz. Tal como na HQ ele sai em passeio pelo universo para novas experiências metafísicas.

O final da lula tinha talvez o propósito de demonstrar o quanto a arte pode ser poderosa se usada com inteligência, uma vez que a criatura fora criada a partir da concepção de vários artistas, unindo arte e ciência, com maestria, algo que sempre gera resultados surpreendentes. Este foi um ponto de vista que o filme perdeu.

Contudo o fato de, com poucas alterações, obtermos dois desfechos de boa qualidade, com o mesmo efeito, só atesta a qualidade desta história. Fico inclusive imaginando se tal desfecho chegou a ser cogitado por Moore enquanto escrevia a HQ.

 

2 – A HQ do Cargueiro Negro, transformada em animação por razões óbvias. Estará no DVD, e espero, amarrada à trama de forma a mimetizar a metalinguagem do quadrinho.

Esta metalinguagem é muito bem usada no quadrinho, para aumentar a sensação de desespero e desolação que a guerra fria transmitia às pessoas. O sentimento que dois dedos poderiam exterminar a todos, sem o resto do mundo sequer saber o porquê, não era nada agradável. A comparação do mundo a uma jangada a deriva, fadada à morte, e flutuando às custas de tantas outras é bem forte.

A narração do náufrago é tão entrelaçada com a trama, que estes trechos devem ser lidos com atenção, pois os textos se confundem e você é levado a crer que trata-se tudo da mesma história. O que de certa forma é verdade.

 

3 – A HQ não tem muita ação mesmo, o filme estendeu as cenas com luta e inventou mais socos e pontapés. Mas não existem cenas inventadas. As lutas ocorrem e terminam com os mesmos resultados. Inclusive, algumas cenas de ação ficaram de fora, como o assassinato de Hollis Mason, o primeiro Coruja.

O único problema que observei nas lutas do filme, e depois confirmei por comentários de algumas pessoas que assistiram, mas não haviam lido o quadrinho, foi o exagero em alguns movimentos e efeitos de golpes. O que leva a crer que todos os mascarados tinham alguma força ou habilidade sobre-humana mínima que fosse, o que não é verdade. Nos quadrinhos alguns demonstram ser bem fortes e possuem prática em luta, mas nada fora do comum, nada que alguém que se disponha a enfrentar marginais na rua não precise ter para manter-se vivo. Na HQ este preparo físico de todos é deixado bem claro, até porque a maioria passa dos 50 e segue em forma invejável. Mesmo o Coruja com sua barriguinha.

O azulão é certamente poderoso e Ozimandias possui algo de especial também, o resto é o resto.

Mas se no filme os socos e pontapés foram exagerados, na HQ existem exageros, como quando o Rorschach põe fogo num prédio em poucos minutos, com um aerosl transformado em lança-chamas improvisado.

Aqui já vão mais longe
Aqui já vão mais longe

4 – Falando no Rorschach, senti falta de uma breve explicação sobre sua máscara no filme. Será que vai estar no DVD?

 

5 – A Bubastis é mais interessante na trama original, onde fica bem claro, e é crucial, o investimento de Ozimandias em engenharia genética. No filme ela não ganhou nem mais nem menos destaque, mas ficou meio perdida por essa mudança na trama. Mas até esmo na HQ era uma prova a mais da estravagância de Ozimandias.

 

6 – A homossexualidade de Ozimandias na HQ é mais velada e subentendida. Ele também passa mais tempo falando sobre Alexandre o Grande, seu ídolo. No filme fica mais fácil transmitir o homossexualismo por trejeitos do que na HQ. Mas no filme quiseram deixar isto bem claro e inseriram uma pastinha com o nome “Boys” no computador do vilão, quando o Coruja hackeia a máquina.

 

7 – Uma coisa que certamente ficou faltando foi falar mais dos Minutemen, porém o filme conseguiu apresenta-los muito bem na seqüência inicial, que foi muito bem feita, e no decorrer do filme inseriu mais algumas coisas.

A trama do Justiceiro Encapuzado e seu possível assassinato pelo Comediante, acredito que esteja no DVD, porque no filme o Comediante faz menção a isso enquanto apanha do Encapuzado, após tentar estuprar Sally Jupiter.

Não fez muita falta o Cap. Metrópolis não ter sido quem reuniu os Watchmen no filme.

A menção às origens polonesas de Sally Júpiter, ou melhor Juspeczyk, não são mencionadas, mas são apenas mais uma nuance no enredo da HQ.

 

8 – Em tempos politicamente corretos, o único personagem que fuma é o questionável Comediante. Laurie Júpiter, fumante compulsiva na HQ, não dá um trago sequer no filme. Acho que nesse aspecto esqueceram que o filme se passa nos anos oitenta.

 

9 – Senti falta do perfume Nostalgia de Veidt, cujo frasco tem papel tão marcante no diálogo entre Laurie e Dr. Manhattan em Marte. Protagonista de um recurso que foi usado na HQ, e poderia ter sido aproveitado de alguma forma no filme, para reforçar a idéia de simultaneidade dos eventos, que é como o azulão observa a vida.

 

10 – Pra fazer um número redondo de observações, no final da HQ Laurie e Dan visitam Sally, tal como mostrado no filme, mas estão loiros, e são fugitivos da polícia. Mas que se dane, que diferença isso faz?

 

Existem outros detalhes pentelhosos que não me dei ao trabalho de citar.

Babão que é babão reclamaria até de um slideshow da própria HQ no telão. Talvez ficasse inconformado da versão scaneada ter sido a de papel jornal, e não a em papel couchê 220gr mega super plus.

Algumas pessoas preferem a mídia ao conteúdo.
Algumas pessoas preferem a mídia ao conteúdo.

Mas torno a dizer, é um filme bem feito. É claro que posso estar iludido por já conhecer a trama, e tudo sobre os personagens. Assisti com o espírito preparado para ver uma ilustração animada do quadrinho. Não saberia dizer se um marinheiro de primeira viagem foi igualmente surpreendido pelos planos de Ozimandias, e pela revelação da identidade de Rorschach entre outras coisas que me surpreenderam ao ler a HQ pela primeira vez.

De qualquer forma o quadrinho vendeu como água, antes mesmo do filme ser lançado. Isto facilitou pro Alan Moore recusar a bufunfa direta do filme. Dessa vez ele só reclama enquanto não assistir. Mas o trauma das experiências anteriores é grande.

Nada
Nada como a anarquia para unir as pessoas. Fo isso que Moore sempre quis dizer com sua obra.

Como acho que esse discurso insistente dele contra Hollywood é puro marketing, e isca para sair na mídia. Ele vai acabar assistindo uma versão baixada em casa e quem sabe parar de bater na mesma tecla.

Quem assistiu ao filme e decidiu ler a HQ em seguida não deve se decepcionar, pelo contrário, vai acabar descobrindo muito mais sobre o que viu resumido na telona.

Com LotR (Lord of the Rings) se deu o mesmo. Muitos reclamaram da ausência do Tom Bombadil.

Eu já sou da opinião que o Glorfindel fez mais falta. Mas no geral foi uma adaptação foda. Contudo as versões estendidas são as que de fato valem a pena, por possuírem menos buracos. A única afirmação correta é que Peter Jackson é racista.

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Como Peter Jackson vê elfos e anões.

Então, como podemos ver, até a mais homenageada e idolatrada adaptação cinematográfica possui suas falhas.

Se quer algo igual, vai ler o livro, a HQ, ou fica rico e financia sua própria visão.

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Isso ai, igualzinho ao Ozimandias, mas o do filme, bem chola.

Uma adaptação mais fiel, sem deixar de fora nada que se passa na HQ, seria possível se o filme tivesse umas 4 horas de duração. Nada contra, eu adorarei assistir.

Falando aos que foram ao cinema dispostos a assistir um filme, e não apenas dizer que viu e não gostou.

Aguardemos o DVD.

Os atores estavam muito bem caracterizados, não tenho nada a falar sobre as interpretações. Confesso que estava receoso quanto ao Ozimandias. Colocaram um cara muito franzino, mas não comprometeu. A seqüência de abertura do filme é fenomenal, e aprovo quase todas as músicas escolhidas a exceção da transa ao som de Aleluia que ficou esquisita.

Melhor se colocassem a música que está na própria HQ, na brochada do Coruja, “Unforgetable” com o Nat King Cole.

E como já dizia Tio Ben. “Grandes poderes trazem grandes responsabilidades.” Essa é uma das mensagens de Alan Moore, que pode ser compreendida tanto na HQ quanto no filme.

Você se deixaria levar por seus poderes, alijando-se de seu lado humano como Dr. Manhattan?

Buscaria a todo o custo fazer deste mundo um lugar melhor como o Ozimandias?

Ou simplesmente riria de tudo e lucraria no caos, colhendo a carniça como o Comediante?

Podem responder abaixo. O melhor é que não existe resposta errada ou correta.

Como o Rorschach não concebia isto, preferiu dar as costas e seguir sua sina.

3 thoughts on “Análise de Watchmen”

  1. Concordo com suas observações.
    A espectral, apesar da semelhança física, deixava a desejar na atuação. O lance da idade é algo complicado de fato, pq na própria HQ, fora a Espectral, todos estão acima dos 50 ou 60 e têm aparência jovem para suas idades, além do preparo físico.
    Por isso que tenho para mim que o Ozimandias é sobre-humano, mas soube se passar por apenas um sujeito inteligente e bem treinado.

    Gosto de comentários, ouvir dos meus leitores. 🙂

  2. Parabéns pela análise, foi muito bem argumentada sem ser apaixonada demais, como alguns reviews que li por ai.
    Pessoalmente, tenho algumas observações em relação a intrepretção de alguns atores. O Manhatan nos mostra que a animação em CG humana ainda precisa evoluir mais um pouquinho pra reproduzir expressões humanas com mais naturalidade. Felizmente essa falta de expressão não caiu tão mal pra um personagem que quase não expressa sentimentos como o Azulão.

    A atriz que fez a Espectral tambem deixou a desejar em alguns momentos, mas tambem não a culpo, ja que a sua personagem tambem é um tanto quanto perdida na trama do HQ. Ja o Ozymandias, esse eu achei que não foi uma boa escolha. Apesar da boa atuação, o ator escolhido pouco transmitia a imagem de “o homem mais inteligente do mundo”, e parecia um tanto novo para o papel.

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